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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE


1968


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Introdução
Povo de Moçambique - Em nome de todos vós
a FRELIMO  proclama hoje solenemente
a Insurreição Geral Armada
do Povo de Moçambique contra o colonialismo português,
com vista à completa independência de Moçambique
(Proclamação feita ao Povo moçambicano
pelo Comité Central da FRELIMO
por ocasião da declaração de guerra,
a 25 de Setembro de 1964)

O primeiro combate
Província de Cabo Delgado, 25 de Setembro de 1964

Durante as manobras  clandestinas de Setembro, recebi uma
chamada urgente de Mueda. Os comandantes operacionais das
zonas de Montepuez, Mocímboa  da Praia e Porto Amélia
foram convocados. Eu  estava presente, e comigo os outros
chefes operacionais. Tínhamos sido chamados  para receber
instruções do Comité Central sobre o dia em que devíamos
desencadear os nossos ataques às tropas portuguesas. Recebemos
esta informação a 20 de Setembro - a luta devia começar no
dia 25. Começámos imediatamente a organizar-nos. Alertámos
o chefe de cada zona (Muidumbe, Mocímboa da Praia, Mon-
tepuez, Chai, Mocímboa do Rubum, Nangade, Diaca) para or-
ganizar grupos de sabotadores, cuja tarefa seria sabotar pontes,
linhas férreas e estradas (fazendo valas e colocando barragens de
troncos de árvores). Dissemos-lhes que começassem a trabalhar
às 6 da tarde do dia 24. Explicámos-lhes como deviam estabe-
lecer piquetes de vigilância enquanto cada equipe trabalhava.
A  minha tarefa era dirigir o ataque ao Chai. Outros grupos
Atacariam outras zonas. De Mueda dirigi-me para a minha zona,
onde cheguei a 23 de Setembro. Informei os meus camaradas
do dia do início da luta. Tínhamos dezasseis armas : seis pistolas-
-metralhadoras, seis espingardas e quatro pistolas automáticas.
Escolhemos um  grupo de doze camaradas e deixámos ficar
algumas armas para defesa da base. Na manhã de 25 chegámos
ao posto do Chai. Tirámos as botas para evitar qualquer ruído,
e prosseguimos. No lugar há uma  secretaria, a casa do chefe
do posto, a casa do gerente da Sagal (companhia algodoeira),
estabelecimentos comerciais, hospital, prisão, e as residências
das polícias indígena e branca.
   Acampámos  próximo do lago do Chai. Dei instruções a
um  dos meus camaradas fardado para que se vestisse à civil e
fosse fazer um reconhecimento do lugar. Pus-lhe uma ligadura
num  pé para que  parecesse ferido. Dirigiu-se ao posto mé-
dico, onde se deixou estar um bocado, e seguiu depois para a
secretaria. Meteu conversa com um  africano, que inadverti-
damente lhe revelou onde dormiam os soldados brancos: por
detrás da casa do chefe do posto; os funcionários administra-
tivos dormiam na casa deste; os soldados africanos dormiam na
secretaria. Este moçambicano também disse ao nosso camarada
onde estavam  as sentinelas (na varanda da secretaria e da casa
do chefe do posto). O guerrilheiro demorou-se um pouco,
andou em volta da casa do chefe do posto e da prisão e voltou
para junto da secretaria. Viu sair três camiões e soube que se
tratava duma expedição de caça. Eles iam todos os dias à caça.
Todas  as noites saía também um camião-patrulha. O nosso
camarada regressou com  estas informações. Fiz o plano de
ataque. Uma  metralhadora  neutralizaria a tropa africana da
secretaria. Resolvi concentrar o ataque contra a casa onde
estavam o chefe do posto e os funcionários. Indiquei a cada
camarada a sua posição de ataque. Eles ficariam escondidos
debaixo das mangueiras. Às 16 horas saímos; às 18 estávamos
a postos, nas nossas posições. Os portugueses estavam a começar
a acender as luzes. Às 19 horas avançámos, até que atingimos
a casa do chefe do posto.
   Enquanto avançávamos, os camiões, que tínhamos visto
sair pata a caça, regressaram e colocaram-se entre nós e a casa.
Descarregaram os animais mortos. Vigiávamos o menor movi-
mento dos homens. Não podíamos ser vistos. Depois de descar-
regarem o camião, os soldados subiram para ele e partiram na
direcção de Macomia. Os camiões desapareceram - concluímos
que tinham ido em serviço de patrulha. Apareceu um guarda,
que  se instalou à porta da casa do chefe do posto, sentado
numa cadeira. Era branco.
   Aproximei-me  para o atacar. O meu  tiro seria o sinal
para os outros camaradas atacarem. O ataque começou às 21
horas. Quando ouviu os tiros, o chefe do posto abriu a porta
e saiu -  foi abatido a tiro. Além deste, outros seis portu-
gueses foram mortos  no primeiro ataque. A explicação dada
pelas autoridades portuguesas foi: "morte por desastre". Reti-
rámo-nos. No dia seguinte fomos perseguidos por alguns sol-
dados-  mas  nessa altura já estávamos longe, e nunca nos
encontraram.
   Esta  pequena  operação, aqui relatada pelas palavras do
seu comandante, foi uma  das primeiras batalhas da guerra
feita pela Frente de Libertação de Moçambique contra os
Portugueses. Desenrolou-se na província norte, Cabo Delgado,
em conjunto com  outros recontros coordenados, a 25 de Se-
tembro  de 1964, marcando o início da luta armada. Se os
acontecimentos seguirem o rumo dos últimos quatro anos, este
dia ficará marcado como uma das datas mais importantes não
só da história de Moçambique, mas da de todo o continente
africano.
   Até agora, relativamente poucas pessoas conheceram e
comentaram a importância de Moçambique. A imprensa mundial
e mesmo  a imprensa  africana raras vezes se referem a esse
território. A "África Portuguesa" tem sido tradicionalmente
pouco conhecida: os Portugueses não viam com bons
a vinda  de outros estrangeiros e dificultavam qualquer ten-

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