A BIBLIOTECA DO MACUA

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LIVROS & AUTORES QUE A MOÇAMBIQUE DIZEM RESPEITO



JÚLIO CARRILHO



IBO E GENTE

(Porta de água)

Quarenta e tal quilómetros quadrados
de modorras viradas para a praia
escoam dos solares escancarados
a deixar os mortos a olhar
luzentes cristas de água de cambraia

Não sei ainda se isto é alegria
deixada até ao estoiro da miséria
mas a calma tecida dia-a-dia
tem o vagar da pressa que se quer
no endógeno assumir-se de matéria

Ah porta minha que me deste as águas
para buscar as faces da verdade
hoje descontraída em tuas mágoas:
não tens a quem explicar o teu saber
que a nudez distorce sem maldade.

Teremos que esperar que se decante
no teu líquido palco o som dos remos
se afinem silhuetas de ar cortante
para depois por ruas sem licença
abrirmos planos que só nós podemos

(casquinha)

Um vulto emerso na casquinha
tem asas de pau a equilibrar o tronco
como cintura numa dança de água
vasado tronco de árvore a nadar
Se um sobressalto de ar lhe enfuna o
pensamento
a concha de tecido apressa-o
na onda a respigar


(maré vazante)

Só a tensão feminina sabe avaliar
os gostos que se guardam na maré vazante
nos trilhos invisíveis
pontuando o manto multicolorido de algas
tatuando areias.

Não há temores à espreita
nem monstros que se atrevam
a impedir o brilho das cipreias.
É o maravilhoso a desvendar-se
no afastar das águas;
O pátio de recreio devolvido
alarga-se pelo areal da praia
tanto quanto diminui o marulhar das ondas
contra o paredão desarrumado
a resguardar as aulas.
Papagueantes

Os meninos recitam "a Clarinha e as pombas"
com um pesado silêncio de palmatória
em fundo.


(Amas e amos)

Babos, Amas, Muénhes, Nunos
dão-nos o destino à inocência
para que os muros altos nos desvendem
seus quintais ilhados
e sejam limpas e lisas
as varandas da nossa adolescência


(sexo)

Da tarde que se apressa
emerge o sexo
cantando exótico ao luar sincero
um apelo irresistível apregoa
molhes de juventude
aonde qualquer idade desembarca
com palavras curvas
com esmero


(tambores)

São os tambores da noite
distantes
são as folhas das palmeiras bêbedas
constantes
são as pinceladas das brisas
sibilantes
são os lussúnguis finos
ondulantes
a panejar o apetite discreto
dos amantes


(e a cruz crescente?...)

Não é da gente certa a vila desenhada
é de salamaleques e de casarões
só nos quintais fervilham vozes coloridas
de sarcasmo de interrogações
Não são de gente aberta
esses jardins guardados
na geometria estrita das pedras caiadas
apenas corvos passeiam sobre eles seu negrume
seu  vôo vasto e livre
isento de volume
Não são brancos os dentes
que a alvura do sorriso negro nos ensina
são apenas portos de sinceridade
um contraponto neutro de evasão
do forte colorido de paixões contidas
nesse cerco de água
preto vermelho
e açafrão

A cruz aqui apenas tem esse significado
o de nos cruzarmos com o mundo
para não morrer


Tantos de nós a aguardar um Deus vindo de longe, como se as religiões, que põem todo o seu afã em conquistar-nos, estivessem a partilhar-nos com o acordo da nossa ironia.
Que diferença faz a sombra da torre sineira por consolo, ou a delicadeza curva do crescente fino a coroar-nos?
Somos de qualquer crença que nos lave as mágoas as pilhagens, a desvalorização e o opróbrio, os roubos locais e internacionais.
Entre o padre do oeste e o maulana oriental há essa paz, do almofadado saber da nossa convivência, desarmando cismas nas ofertas recíprocas que nos enviamos nos dias da festa do outro.



(Ser mwani)

Não é que ser mulato me abra portas:
é preciso que se tenha aprendido a beber
esse saber da praia
qualquer que seja a dor que se transporta
A Guerra aqui não se reproduz. Sofre-se.
A escravatura aqui não se aprimora. Degrada-se:
na sabedoria dos escravos
na subtileza do servir dos servos
na paciência dos barcos adornados
Tudo sucumbe no equilíbrio sustentável
da intriga
viscosamente escrutinada nas sub-ilhas de murmúrios
dos quintais fechados


(do resto)

Do resto sei somente que a Quirimba é um palmar
teutão
um batalhão de coqueiros em parada;
Quirambo um cesto de songomas que não esqueço;
Matémwé imensa mancha aprisionada
num horizonte azul de lágrimas salgadas
e pudores
grande e vazia;
só dona Elisa e o Kesso
  na ausência pendular dos pescadores


(na brisa)

Os lenços esculpidos na cabeça
de formas leves a abrigar o rosto
desvendam cores para que não esmoreça
a luz que morre atrás do dia posto

O coro agarra firme mas sem pressa
o olhar da multidão a que me encosto
os corpos e a toada uma só peça
as vozes lentas a dobrar-me o gosto

Ah brisa feminina a alongar traços
de conchas várias a nascer dos braços
que a ilha pelos séculos coou

Do mundo se juntaram mil pedaços
cor e tecidos neste porto escasso
que a ponte de mariscos adensou


(me amansa)

As linhas que se desenrolam das mãos da
madrugada
nem sempre no seu termo apagam peixes
nem sempre na sua tensão se desenganam

mas levam nos olhos um prazer de vida inexplicável
na carapinha levezas adoçadas de orientes
nos cofiós adornos de sextas-feiras brancas

confundem-se nos terços de várias crenças
deuses de água a deslizar sentenças
nas noites prateadas de luar

e me amanso e me moldam sonhos infantis
para que o ruído dos dias se harmonize
duros dias de aprender vénias controlar humores

temos de ser capazes de adivinhar as máscaras
do vento a modelar matizes no calar das faces
da mágoa que se tem no peito presa

é que a doçura infinita dos saberes forros
carrega em si milhares de desimpressões
no choro de alegria ou num subtil sorriso de tristeza


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Edição de 2001

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