A BIBLIOTECA DO MACUA

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OS BONS SINAIS DA KULIMA
   Como autênticos braços de enigma e mãos do sagrado, as palmeiras parecem abençoar, do litoral, toda a terra zambeziana. E, risonho quando bonançoso, o mar azul-esmeralda prolonga-se no verde desses coqueirais intermináveis bordejando o colorido trapézio das machambas culimadas.
   Da foz do Ligonha ao delta do Zambeze, esta portentosa e pouco elevada zona costeira da Província da Zambézia entremeia-se entre a riqueza da fauna marítima - plena de peixe e crustáceos - e a terra fértil para o arroz, milho, mandioca e cana-de-açucar. Os cajueiros amarelo - avermelham  também esta costa com sinais de fartura.
   Na Zambézia, tal como ei Nampula e Cabo Delgado sobe-se do litoral para o interior numa   caminhada pulmonar dos respirados húmidos ares marítimos, ao sopro mais seco dos ventos montanhosos. E aqui, bem centrado no verdejante distrito do Guruè, ergue-se, altaneira,  a  pitoresca serra do Namúli nos seus    2419    metros acima do mar, constituindo o segundo ponto mais alto do país,
    E neste percurso do litoral para o interior,a riqueza do seu solo e subsolo não diminuem, bem pelo contrário, aumentam!,
   Dos imensos algodoais a exigir enorme parque industrial-têxtil em Mocuba, aos jardins-suspensos das plantações de chá do Guruè, passando pelos ananaseiros - aliás, abacaxis gigantes famosos em todo o país - e pomares de tangerineiras, às machambas experimentais e bem sucedidas de café e soja, a Zambézia, riscada de rios, abre o seu solo ao magnetismo dos minérios pegmatíticos - desde a tantalite, columbite e microlite, bismutite, lipidolite e berilo industrial - e ao fascínio das pedras semipreciosas e que vão das ágatas, turmalinas e águas-marinhas às granadas vermelho-romãs e esmeraldas verde-mar.
   Com   uma   fauna   bravia   de inumeráveis espécies e uma flora que varia   do  tropical   ao   temperado, efectivamente, na Zambézia os bons sinais se multiplicam em trabalho já iniciado e potencialidades por desbravar.
   Tendo como cidade principal a sua capital, Quelimane, na embocadura do rio dos Bons Sinais, assim designado por Vasco da Gama quando aqui aportou em 1498 em demanda do caminho marítimo para a índia, a Zambézia foi um ponto antigo de trocas comerciais e intercâmbios culturais entre as suas populações     Chuwabo e Makhwa-Lomwe e, depois, com árabes e persas, seguindo-se os portugueses e indianos.
   Foi também pelo rio Zambeze e pela Zambézia   que   os portugueses já nos sécs, XVI e XVII mais profundamente penetraram  no território,  que séculos mais tarde se configuraria no nosso país, na sua procura de mercadorias para comerciar e minas para explorar, pragmatizando para tanto alianças político-militares economicamente vantajosas com os potentados do interior.
   Por isso, também não é surpresa saber-se que foi na Zambézia e no vale do Zambeze que os portugueses fizeram a sua primeira tentativa real de fixação no interior ao território moçambicano através da política dos Prazos, muito embora se saiba que os Prazos e Prazeiros surgiram ainda antes da coroa portuguesa os tentar impor e controlar, isto já em pleno séc. XVIII.
   Daí ser a Zambézia um território de miscigenação cultural e onde poderia ter surgido uma sócio-cultura creoula. As célebres Donas zambezianas com o seu aparato político e sócio-cultural, a conhecida culinária saborosamente misturada nos seus ingredientes e condimentos banto-indo-lusos, a própria penetração da língua portuguesa aqui mais visível do que no interior de outras províncias do país, aliada à maneira de ser alegre e extrovertida da sua população, fazem da Zambézia uma província muito particular.
   No coração desta numerosa população zambeziana vibram sempre os bons sinais da culima, até mesmo quando a chuva escasseia e um Sol de Dezembro tenta murchar a natureza.
   Aqui, apesar da História ou pela sua história, os Homens se abraçam fazendo a natureza chover grossas gotas de esperança.


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Deste lado é Inhassunge. Separa-nos de Quelimane este rio que vamos atravessar - pensam - esperando estes homens e mulheres da Zambézia, que trazem das suas machambas o arroz e o milho, o feijão e o abacaxi para comerciar. De Quelimane, que se ergue  comercialmente apetitosa à frente destes camponeses, certamente trarão o que lhes faz falta no campo, seja sabão ou petróleo, seja açúcar ou vestuário.
Inhassunge, defronte da capital da Zambézia, mais do que uma espécie de ilha-de-rios, é uma terra de esperança, de manjar diferente para a boca dos citadinos. Quelimane é, efectivamente, uma cidade onde mais visivelmente se faz sentir a proximidade do campo, o cheiro da copra e do arroz mesmo ali à mão-de-estar-e-semear.

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E não só de copra, arroz e açúcar é rica a Zambézia. O chá é também um dos produtos de maior produção para consumo interno e exportação. Sendo um chá do tipo "Ceilão", muito apreciado no mundo, o chá zambeziano da região do Guruè permitiu o aparecimento no interior da Província de uma agro-indústria que orgulha o país.
Ainda não mecanizada, a colheita do chá faz-se à mão, seleccionando, dizem, melhor do que a máquina, as folhas mais tenras para um paladar mais genuíno e requintado.
São verdes as minhas mãos no carinho da colheita. Alimento a minha família na dureza deste afago de folhas no broto da manhã montanhosa, às vezes bem fria de neblina e cacimba,
Quando saborearem um gostoso chá moçambicano, pensem um pouco em nós, que vos damos com gosto este alimento de prazer, subindo estes montes, autênticos jardins-suspensos pintados de esperança.


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Edição de 1994

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